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Quase-Presença









Pensemos numa empatia e negligência seletivas por parte de um dos pais. A mãe de Thomas Merton, autoritária, olhava-o sob o aspecto do desenvolvimento intelectivo e de suas excentricidades espontâneas. Empatizava com o garoto que mostrava serviço em termos de aprendizado formal, mas não era capaz de dialogar com ele e seus amigos imaginários, por exemplo. Nem lhe mostrar um afeto que lhe perdurasse na alma. O pai trazia-lhe uma bela perspectiva estética do mundo, além de lhe proporcionar viagens, mas estava ausente de seus questionamento pessoais e conflitos escolares.

Pensemos, por exemplo, naquela mãe que não interfere em castigos e punições arbitrárias impingidas pelo marido aos filhos, para não comprar briga com o marido. Há muitas assim. Pensemos num pai que nunca sabe pedir desculpas por qualquer erro de avaliação cometido em relação ao filho ou à mulher, na presença dos filhos. Ou que se cala diante de uma cirurgia à qual o filho é levado “de surpresa, porque na infância tudo rapidamente se esquece”. 

Essas perigosas “zonas de silêncio” ilustram bem o que estou chamando de “empatia seletiva”. Vou emparelhar à expressão outra que lhe é perfeitamente equivalente: “quase-presença”. A criança vive a experiência [tantálica ou tantalizante; cifra: o Mito de Tântalo] de uma “quase presença”, de um ou de ambos os cônjuges. Frequentemente, de ambos.

Essa “empatia seletiva” parece produzir no sujeito o sentimento de ser amado “em algum aspecto específico do seu ser” [por exemplo, no desenvolvimento intelectivo, no progresso nos estudos, na “boa figura que faz em ocasiões sociais”, etc], mas de, no conjunto, ser inacessível ao olhar dos pais [ou de um deles] e da comunicação com os mesmos. Ser inacessível ao olhar e à comunicação dos pais significa ausência do olhar-que-espelha. Ausência do olhar-que-apreende, que decodifica, que sabe do filho naquela circunstância e demonstra que sabe. Isso é importantíssimo. Só assim, não há "desvio do olhar". Mesmo quando há correção, diálogo, educação. Isso significa dizer que os pais veem e não que “precisam aprovar tudo que veem”, mas que “deverão apreender tudo que se lhes possa ser mostrado e dialogar com isso”.

No caso de uma empatia seletiva [que implica em ausência, omissão e/ou “desvio calculado do olhar” para aspectos específicos do mundo infantil], a comunicação, de fato, parece algo longínquo e improvável. E o “afeto” fica ou soa um tanto "abafado", silencioso, sub-entendido e “turvo”, como uma vivência-à-distância, “entre-olhares”. Mãe e filho, ou pai e filho, “comungam à distância”, sem se conhecerem bem. Haja idealização [inclusive idealizações negativas, “demonização do outro”] e mal-entendidos nessa forma de comunicação. A criança sentirá, fatalmente, que tem um “eu oculto” com relação ao qual não há contato por parte do mundo dos adultos. Um mundo secreto e um eu secreto. Esse “eu secreto” só se expressa [ou “se desenvolve”] em “solilóquios”, na fantasia e pela fantasia. Esse eu secreto, e o vínculo desse eu secreto com o eu “por detrás dos olhares dos pais”, se alimentam na fantasia e da fantasia. O exílio gera devaneios, mas o exílio  não é um devaneio em si mesmo. Este mote será retomado alhures. 

Nutre-se, assim, uma perspectiva mítica do ambiente familiar. Forçosamente nebulosa ou sombria. Aqui, temos os pais mitificados ou “arquetipificados” [tipificados mítica e arcaicamente: arque=antigo; tipo=molde]. Assim, uma família encontra uma moldura [=feição] mítica. E, assim, se criam os Narcisos da vida, Jacintos, Pélops, Prometeus, Jós, além de Édipos. Nada tão esotérico assim. [“Se eu sou algo incompreensível, meu Deus é mais...”, diria Gilberto Gil].

Pensemos, por exemplo, numa internalização-idealização excessiva da mãe [“ela sabe o que eu sinto e sei, mas não me diz que sabe e vê”, “minha mãe se comunica secretamente comigo”, “o eu secreto dela sabe, mas não faz nada”]. Esse é o tipo de idealização que se deu entre Jung [sua “personalidade nº 2, como ele a chamava] e sua mãe [“a personalidade nº 2 dela”]. Podemos conferir isto em sua auto-biografia, “Memórias, Sonhos, Reflexões”. Pode haver outro tipo de “idealização-demonização” em relação ao pai, do tipo: “Não sei nada do que meu pai faz, do seu trabalho, da sua profissão; talvez meu pai faça alguma coisa muito secreta e perigosa” [às vezes, faz mesmo...]. Este tipo de “demonização do pai que não se consegue acompanhar” é apresentada no livro “João de Ferro”, de Robert Bly, por exemplo. Aqui estamos ilustrando dois polos da idealização-projeção, resultantes do vão criado pelo silêncio, da falta de comunicação real e do pouco espelho presente no vínculo. Espelho insuficiente, poder-se-ia dizer.

Sim. Pois houve espelho para as necessidades básicas da criança: ela foi vista em sua fome, foi alimentada, suas cólicas foram devidamente tratadas, talvez suas dores de garganta e ouvido. Essa criança, aqui por mim aventada, recebeu cuidados básicos. Não resvalará para a psicose. Porém, suas relações com os pais internalizados é muito fragmentária, mítica e sombria/ nebulosa [“arquetipificada”, e na face sombria dos arquétipos], porque ela foi marcada pelo “espelho insuficiente”, fruto do olhar “demasiadamente seletivo [exclusivo a alguns aspectos seus] e não-empático de seus pais” [o olhar que erra o alvo, ou dele se desvia, em relação a uma gama enorme de sentimentos, por exemplo...]. Há famílias [ou ambientes primários mais extensos] que não tratam de certos assuntos. Nem os enxergam.

Pensemos, então, no caso, da mãe interna que surge para a criança como “musa inacessível que não se alcança", ou "que só se alcança entre olhares, à distância”. Sim, isso também faz parte da equação de Édipo, mas dependendo dos aspectos excluídos, Narciso pode tomar a frente. Porque aqui, não falo da musa erotizada, mas daquela que é "grande demais" [a mãe mitificada pela distância] e que, lá do alto [ou lá de longe] "quase-enxerga o que eu sou, o que eu sinto, o que eu sei, o que eu sofro, mas se esquiva de assumi-lo ou demonstrá-lo com o próprio olhar ou com seus gestos". Há outros personagens secretamente “órfãos” [como Hefesto, por exemplo] ou “divididos pelo olhar-desejo do pai” [Pélops seria uma das  referências]. É assim que se constrói uma vivência mítica em relação à  família. Ou, em outros termos, é assim que uma criança passa a viver toda a “sombria exuberância” de se inscrever na família ou ambiente de forma desamparadamente arquetípica. Muito aquém-além do Édipo, ou só do Édipo.

Há muitas nuances possíveis nessa meia-comunicação entre-olhares [inter-olhares]. Essa mãe-imaterial pode se tornar a espécie edipiana de uma “mãe-noiva” [matriz da Anima junguiana], e uma criança de sete anos pode sonhar que uma noiva secreta o espera desde antes do nascimento. Ou que aguarda que ele morra! Pode haver, então, o sonho de uma “ambiência ideal-incestuosa”, fortemente tingida pelas cores de Thanatos. Pode haver o sonho de uma comunicação platônica entre a mãe idealizada e um eu idealizado, ambos emoldurados pela morte. Vejam o sonho de Jung com Salomé cega no dito livro de memórias, um pouco além da infância [eis uma Anima que pede por socorro].

De qualquer maneira, as idealizações sempre têm sua força gravitacional, devido mesmo à distância com que nimbam as imagens e objetos, conferindo-lhes certa “intangibilidade relativamente ao eu”. Intangibilidade e distância, por sua vez, reforçam ainda mais a idealização e a subsequente elaboração de mitemas [ou mitologemas] relativos ao relacionamento com a imagem-objeto. E não só enredos edipianos. Eis o círculo vicioso, ou circuito interno-externo gerador de mitos na infância.

Há algo interessante aqui. A mãe e o eu enlaçados nessa ambiência de intangibilidade e quase-presença [espelho insuficiente] eliciam um sentimento de “nostalgia” [defino nostalgia como “saudade do que poderia ter sido”], nostalgia esta que abrange tanto a mãe quanto o “eu” [oculto, semi-expresso, semi-apreendido] do sujeito, ambos unidos [ou confluídos] nessa atmosfera de empatia difusa e ausência, concomitantes. Eis aqui um dos vetores ou variáveis possíveis da ambiência interna do ferido narcísico: quase-presença, insuficiência do espelho, nostalgia do self e do ambiente primário como “presenças-de-fundo.” Tudo muito mítico e tudo muito inteligível quando se olha pelo vértice do Numen.

Vamos tentar traduzir algo do afeto que se engendra nessa ambiência. Há toda uma afetividade dirigida a esse objeto intangível-idealizado, a esse objeto de amor-cuidado-negligência, ao objeto-ambiência-mãe. Ora, Novaes, mas isso é Édipo. Sim. Mas não só, meus amigos. Há toda uma afetividade dirigida à mãe-que-quase-foi, à mãe-que-poderia-ter-sido/existido, mas que só se manifestou entre-olhares, só foi entre-vista, adivinhada e moldada pela fantasia da criança. E amalgamada a seu self secreto, num conluio difuso e bizarro. Na tradição bioniana dos objetos bizarros, temos aqui a gênese de um deles. 

Essa criança dificilmente ficará psicótica, mas a ferida narcísica será um carimbo-de-fundo importante em seu desenvolvimento secreto, amalgamado e clivado. Ao mesmo tempo cindido e simbiótico. O dito complexo de castração pode ser vivido como medo da “pulverização psíquica” por parte do pai intempestivo, não-cognoscível, imprevisível. O pai que “não se sabe como chegará do trabalho”. O pai para quem nada se pode contar, porque ele pode “explodir e retalhar, porque chegará nervoso e quebrará tudo”. 

Aqui nós temos uma força que inunda [Cifra: Céfiso], que “estupra” [física ou emocionalmente; também Céfiso, além de Zeus, Apolo, Pan, e tantos outros], que “troveja e pulveriza-castiga, caprichosamente” [Cifra: Taranis, Adad, Thor, Heimdall, Jeová/Javé, Zeus, Baal, “O Demiurgo Mau” dos Gnósticos, equivalente ao Príncipe deste Mundo; esta equação torna equivalentes, no potencial de destruição, Deus e o Diabo!]. O medo da pulverização psíquica é o medo da loucura [“a intempestividade do meu pai irá ferir a mim e à minha mãe, e a explosão dele nos deixará loucos”]. Se isso “também” é Édipo, é “também” muito mais do que Édipo. O medo secreto do grande ferido narcísico é de enlouquecer, ou morrer jovem, por não aguentar a insalubridade do ambiente [Cifra: Narciso, Jacinto e todos os deuses que morrem púberes]. A grande pergunta de fundo é esta: “será o mundo um lugar respirável?!” “Será que eu sobrevivo à minha família, escola, Igreja?!” Eis a questão. Isso traz uma coloração específica ao Édipo. E nisso reside o "padrão narcísico de desenvolvimento”.

Cito abaixo parte do material autobiográfico que me deixou dolorosamente ciente de algumas das variáveis e implicações do ferimento narcísico, em nuances pouco dedutíveis para quem não tenha passado por nada semelhante. O leitor preste muita atenção nos itens que se desdobram a partir destes parágrafos [as perguntas-dilemas, didaticamente enumeradas], para que não sejam aplainadas indevidamente [de forma rasa ou fácil demais] a magnitude da dor emocional e das perguntas advindas de circunstâncias tão massivas e precoces. Perguntas dificílimas e prematuras: feitas "cedo demais".

Digamos que alguém teve aulas de religião numa escola aos quatro anos. E que tem medo de Deus. Já tinha medo do pai, por lhe bater por quebrar um dente na rua, por estar no banho quando ele chega do trabalho [tirando-o do banho à força, sem deixar-lhe sequer tirar o sabão do corpo, e lhe deixando de castigo por dois meses para aprender a não “inzonar” no banho], e uma série de atitudes semelhantes. Então, vejamos: tal criança é colocada num colégio para ter companhia, tendo dois anos a menos que as outras. É menor, é mais fraca e mais inteligente. Sofre bullying por parte dos colegas [“se você não passar a mão na professora, a gente te arrebenta na saída”; se você acertar o exercício da aula, a gente esfrega tua cara no tanque de areia”; "se você não entrar no banheiro das meninas e não der seu lanche pra gente, a gente te arebenta”; e outras ameaças condizentes à pureza infantil]. Pois bem, essa criança teme o pai em casa. Essa criança teme os colegas na escola. Essa criança ouve leituras sobre Jeová Sabaoth, “O Deus dos Exércitos”, passando a temer tanto a Deus quanto ao Demônio. Essa criança teme a professora, que a humilha [inadvertidamente] em sala de aula. Por ela ser magérrima, além de ter dois anos a menos do que as outras, a professora indaga à criança: “você come tudo que a mamãe põe no prato, fulaninho?”. O fulaninho responde: “Sim, professora”. Ela declara, candidamente, mas peremptória: “Eu não acredito!”. Todos riem, satisfeitos. A magreza da criança fez-se acompanhar pela suposta mentira da criança, segundo o aval dado pela própria professora, inadvertidamente: “além de fraca, ela é mentirosa” aos olhos dos coleguinhas que já a atacavam por ser fraca. Este aval é mais um gancho para a agressão. Eles, agora, têm mais um álibi para justificar e reiterar a "perseguição ao diferente", agudizando tal atitude. Poderia esta criança, tendo sua situação de proscrição-perseguição agravada pela exposição pública ineptamente orquestrada pela própria professora,  pretender contar a ela como seu pai se comporta em casa? Como a agride gratuitamente, ou à mãe? Pode-se esperar dessa criança que "confie naquela que desdenha de sua palavra em público, expondo-a ainda mais ao escárnio e agressões que, enquanto professora de todos, ela mesma não consegue flagrar ou impedir"? Não é possível esperar que a criança ultrapasse a barreira de desconfiança recíproca reforçada pela professora, o adulto responsável por cuidar dela em sala de aula.

Digamos que esta criança imagina fazer um pacto com Deus, aos quatro anos de idade. Ela diz assim, em seu pensamento: “Deus, meu pai me bate e não me entende; minha mãe não me defende, pois tem medo dele; a professora não acredita em mim; meus colegas são mais fortes e me batem. Então, Deus, só posso contar com o Senhor. A partir de hoje, eu te peço que o Senhor ouça todos os meus pensamentos.”

Que beleza, não acham?! Mas esta criança, que quer que Deus olhe o seu eu secreto [aquele que não pode se apresentar ao mundo, pelos olhos desviados/parciais dos adultos], está com um problema grande agora. Um “problema elevado a dimensões míticas”. Muito para além do Édipo. Quem pensa em termos edipianos nem pode conceber a condição de encurralamento psíquico a que esta criança estará exposta. Senão, vejamos:

1) O Deus que ela conhece é Javé. O Deus do Antigo Testamento. Um deus onitroante, feroz e caprichoso. Ou seja: seu pai elevado à enésima potência.

2) Esse Deus é extremamente formalista e legalista [mais do que o pai da criança]. De tal maneira que a criança passa a temer a “forma” das imagens, pensamentos e “sons” que pense a partir deste “pacto” feito com Deus [entendido como “O Portador do Raio”]. Por exemplo, o som da palavra “guerra”, pode ofender a este Deus Legalista-Formalista. O mesmo se pode dizer do “som” da palavra “merda”. Ninguém precisa ser psicanalista ou psicólogo para saber que se alguma criança ouvir: “Meu filho, você pode pensar em tudo, menos em macacos”, ainda que esta criança habitualmente não pense em macacos, ela passará a temer pensar em macacos. Assim, o temor das palavras a serem pensadas, imantam/catalisam estas mesmas palavras-tabus. Eis a segunda circunstância específica desta criança em seu pacto.

Devo colocar aqui que, na biografia de Jung, vemos sua luta contra uma imagem que se formava em sua cabeça: Deus defecando sobre o teto de uma catedral. Durante muito tempo, Jung lutou contra a irrupção dessa imagem em sua mente, não ousando nem confidenciar seu dilema aos pais, nem a nenhum adulto. “Eles não entenderiam”, ele pensava. Era um “segredo a ser guardado”, era essa a noção junguiana. Um segredo como esse não soa minimamente comunicável pela criança a ninguém: seja ao mundo adulto, seja a outras crianças. Outras crianças a entenderiam? Voltemos ao exemplo da outra criança citada acima, deixando o dilema de Jung para que se o explore em sua própria autobiografia: poderia esta criança explicar ao próprio pai algo do tipo: “Olha, pai, eu tenho medo de você e não confio em você, então fiz um pacto secreto com Deus para Ele substituir você, mas agora fiquei com mais medo d’Ele do que de você; então, por favor, seja outro pai, mude e me ajude a lidar com alguém mais poderoso do que você, no caso o próprio Deus.” Seria factível tal alternativa? A análise sincera do dilema mostra que a criança está encurralada pela própria maneira como seu pacto e o corolário disso [segredo, medos incomuns, etc] foram engendrados. Se eles foram, justamente engendrados pela desconfiança, medo dos outros e incomunicabilidade, não haverá como comunicar algo tão mais complexo e difícil de ser entendido pelos outros, muito menos "confiar na possibilidade desa comunicação". Não faz sentido esperar isso da criança. Não é psicologicamente factível. 

Há algo interessante a dizer sobre os dois segredos: o de tal criança e o de Jung. Enquanto Jung sentiu alívio ao deixar a imagem espontânea do Deus sacrílego e defecador destruir seu templo, a criança passou a temer palavras, imagens e sons a serem catalizados pelo seu próprio pacto e temor. As duas circunstâncias são diferentes: Jung lutou [e depois cedeu] a uma imagem que se lhe veio espontaneamente, e cuja manifestação lhe pareceu “epifânica” e “reveladora”, não lhe trazendo maiores consequências. Pós-revelação [ou “pós-epifania”] lhe sobreveio a Graça, e a sensação “de saber uma verdade que os outros desconheciam”. [Clássica situação de “encapsulamento narcísico”, ou de estar no locus/posição de Prometeu: “O Portador Solitário da Chama Ainda Desconhecida Pelos Outros”]. Ainda que a posição não seja em si mesma confortável, foi para Jung “reveladora”: ele tinha um “segredo de sabedoria”.

Quanto à criança que estamos apresentando, ela fez um Pacto. Assim sendo, atraiu para si temores e maldições advindas do pacto. As palavras que temia não eram “epifanias”, mas consequências de suas Aliança na Situação de Proscrito. Ela não poderia se sentir “eleita”, nessas circunstâncias, como “portadora de um segredo contendo sabedoria”. Na melhor das hipóteses, ela poderia se sentir maldita-eleita, porque descobrira um segredo terrível: o medo de pensar um som atrai o som; o medo da palavra, atrai a palavra; as pessoas fugiriam dessa complicada descoberta feita por uma criança de quatro anos perante Deus! Por isso, repito, na melhor das hipóteses, haveria a percepção ambígua e mista de ser uma maldita-eleita, numa circunstância de pacto-insulamento [encurralamento ambiental-sagrado] que a tornaria ainda mais solitária, encurralada e "estranha": ainda mais diferente dos demais. [Cifra: Prometeu preso na rocha, sem socorro visível ou plausível, tendo o fígado bicado pela águia-trovão].

3) Vamos desdobrar um pouco mais as consequências de tal pacto infantil. Deus é uma Presença sempre a vigiar cada pensamento, imagem ou “som” pensado pela criança. Deus é, assim, um “Olho Sem Pálpebras” a fazer um Escrutínio Impiedoso de cada forma-imagem além-aquém intenção consciente ou má fé da criança. Mas ela pensa que só por temer e atrair tais sons-imagens-formas já é culpada. Ela guarda este segredo. E descobre mais. Algo que ela não poderia esperar...

4) Ela descobre que a hipervigilância sobre seu corpo faz com que ela transpire de nervoso, e/ou que seu coração dispare. Fica também preocupada pela sua atenção afetar seu corpo. Isso passa a fazer parte do segredo que ela guarda e do temor a ele correlato. “A atenção sobre meus pensamentos-corpo desarruma meu corpo-e-pensamentos”. O que deveria funcionar “automaticamente” [suor, batimento cardíaco, piscadas, deglutição, vontade de ir ao banheiro] passa a fazer parte do auto-escrutínio da criança. Sim, pois devido ao seu Pacto, tudo isso que deveria funcionar bem, automaticamente, agora depende de sua vigilância, acompanhada pela Onivigilância do Olho que a Observa a Partir de Dentro. Eis a internalização de uma Ambiência Mítica Opressiva. Ou a vivência de um “ambiente mítico interno”. Chamar a isso, simplesmente, de “superego arcaico” é pouco. Este “superego” é exponenciado à dimensões míticas. Sagradas e Secretas. Chamar a isso de "evocação arquetípica de um Portador do Raio [evocação esta inspirada por múltiplas circunstâncias ambientais, além do "fator pessoal do infante"] ou de "constelação de um Demiurgo Mau como presença psíquica no mundo da criança" [segundo a concepção gnóstica, que faz do Demiurgo Algo ou Alguém equivalente ao Príncipe deste Mundo, como se o Deus que regesse o Mundo pudesse ser tão ruim quanto o Demônio] faz mais jus à realidade psíquica experienciada por este sujeito, em suas muitas e peculiaríssimas nuances.

5) Pois bem. A criança se vendo nas circunstância de vigiar [e reordenar] seus pensamentos, imagens, batimentos cardíacos, suor, piscadas, temendo seu desajeitamento no mundo ambiente, temendo que perguntem por seu segredo, temendo engolir a comida e se engasgar, temendo ter vontade de ir ao banheiro em hora imprópria, em hora “que não poderia” [durante uma tarefa escolar, por exemplo, na mesa do almoço com uma visita, na hora de cumprimentar um amigo de seu pai], passa a ter uma incumbência ou responsabilidade grande demais para qualquer pessoa, sobretudo para uma pessoa de quatro anos: “Ser Deus de si mesma”. Pois que agora Deus [assim como seus pais] só a vigia, mas não cuida dela. Essa é uma tarefa Mítica, muito mais complexa do que a tarefa edipiana. 

6) Esta criança poderá achar que, com “ritos de apaziguamento” [por exemplo, passando as noites em vigília a fazer nomes-do-pai, tantas vezes quantas possa ter pensado imagens-sons que desagradassem a Deus], possa estar “quites” com este Olho Onivigilante. Mas sabemos que este é um trabalho Infinito [Cifra: Sísifo ou Íxion; a tarefa fadada à inconclusão]. Isso, mais uma vez, transcende a condição edipiana. E quem só pensa em termos edípicos dificilmente seria capaz de “intuir” esse gênero de enredo [/enredamento] infantil. Este foi o meu enredamento infantil.

Jung encontrou um rito de auto-asseguramento na infância, colocando um homúnculo [um homenzinho], talhado por ele mesmo, dentro de um estojinho escolar, guardando consigo um pergaminho. Esse estojo-com-o–homenzinho, o pequeno Jung guardava num vão do sótão de sua casa. E ia visitá-lo frequentemente, para ver se "estava tudo bem com ele", além de lhe dar algum presente eventual: um seixo polido cuidadosamente escolhido, por exemplo. Essa visitação equivale ao zelo pelo “self encapsulado” [ou um zelo pela "personalidade nº 2”, em relação à qual Jung tinha uma consciência tão precoce].

Por isso eu digo que o “tônus” e o “quantum” dessa ambiência mítica só são apreensíveis para quem capta a totalidade da moldura mítica implicada no conjunto de cisões, defesas e imagos constelados pelas conjunturas factuais do indivíduo, desde tenra infância e a partir de seus ambientes primários. Quem só conhece o drama edipiano está pouco aparelhado para apreender essas sutilezas do encapsulamento [com a Luta Mitológico-Numinosa dele decorrente] experimentado pelo “eu”, tão precocemente. Por isso, apreender a coisa em colorações numinosas [o que eu chamo de “Numinoso Sombrio”] é tão básico para desatrelar o self encapsulado desta sutilíssima e entranhada amarra, dessa intrincada teia-armadilha, vista como dentro-fora, ao mesmo tempo.

Alguém poderia cogitar da não-existência de uma criança assim. Pois bem: por isso mesmo [e só por isso] fiz questão de apresentar este material autobiográfico. Dizer que tal criança não existe significaria dizer que eu estou mentindo e que não vivi nada disso. Seria muito pouco confortável imaginar-me um enredo tão dolorosamente improvável e árido, falsificando uma infância que me doeu tanto. Mas há um aspecto a ser aproveitado em tudo isso: afinal, quem escreve este ensaio foi aquela criança. E ela é parte de mim.

A intenção precípua deste ensaio é viabilizar que mais pessoas possam “intuir” tal gênero de ferida. E, a partir disso, “arejá-la”. [Podendo evitar é bom].

7) Isto porque, nesta circunstância, temos uma questão “secreta-sagrada” que não é mais da ordem do “inter-dito” [como "o segredo familiar edipiano”]. De forma alguma! Temos algo mais grave e aquém-além do interdito: temos um Segredo Sagrado da ordem do Indizível! Qual seria o interlocutor factível pra essa criança? Outra criança?! Seus pais?! Quem lhe ensina Religião?! Alguém deste grupo amostral entenderia as sutilezas da armadilha na qual esta criança veio a cair?! De forma alguma.

Na verdade, isso é novidade até para muitos psicanalistas menos calibrados [com menos “faro” e menos “feeling”] para tais feridas impingidas à identidade [ao núcleo do eu, que se irradia como psicossoma]. O que dirá o ambiente originário que engendrou e co-patrocinou tais circunstâncias do Pacto!

Temos de ser sutis e bastante nuançados em nosso ver, se queremos apreender feridas fundas. E feridas fundas são ontológicas. E são da Ordem do Mítico, Numinoso, Arcaico e Sagrado. Sem escapatória mais prosaica.

Daí minha ênfase em expressões tais quais: Numinoso Sombrio.

Saindo da especificidade do quadro daquela [esta!] criança [da criança que fui e que está em mim], vamos prosseguir na definição dos matizes da ambiência nostálgico-idealizadora-demonizadora da quase-presença do olhar parental.

Se a mãe é, por exemplo, afetuosa-esquiva [esquiva por covardia no enfrentamento de questões cruciais à criança, por exemplo], a afetividade estará dirigida a este objeto intangível e idealizado [cifra: mãe do próprio Jung], a este objeto de amor-cuidado parcial, semi-anônimo [portanto, semi-mítico!]: o objeto-ambiência mãe. James Grotstein chamaria a esta ambiência interna de “Presença de Fundo Antecedente da Identificação Primária”. Há toda uma afetividade dirigida a esta mãe que quase-foi, ou à mãe-que-poderia-ter-sido, mas que foi só entre-vista, entre-olhada, adivinhada e moldada pela fantasia-solidão do self oculto do sujeito infantil [self encapsulado]. Édipo é pouco pra definir o quadro. Esta Presença de Fundo Antecedente da Identificaçção Primária [um campo de afetação Positivo com a Mãe e com o Ambiente Primário, sem grandes invasões, ataques e acuamento, com a consolidação da confiança comunicativa] funciona como "chão psíquico", como "solo onde se apoiar", como um locus interno de auto-confiança [e auto-certeza sobre si mesmo] que permite ao sujeito dizer-se "siga em frente" em sua progressiva abertura ao mundo. A falta desse chão psíquico equivale a ter um buraco aberto sob os pés, e não se sentir "internamente apoiado no seu movimento de dirigir-se ao objeto", buscando-o, ousando alcançá-lo ou se vendo capaz de interpelá-lo. Essa é a mesma falha básica descrita por Balint, apresentada, aqui, em outros termos.

Há uma ambiência interna de monotonia, solidão e tristeza, uma atmosfera escura e sombria, que também é numinosa. É da ordem do Indizível. Se quisermos apresentar as várias camadas dessa ambiência, no primeiro momento apontaríamos a nostalgia pelo objeto bizarro ou objeto-amálgama “self encapsulado-Mãe Idealizada”. Há uma saudade de ambos, pois que a Mãe Mitificada e Amalgamada ao Eu Secreto confiscou em si [e para Si] porções do self infantil. Por outro lado, o Pai confiscou a autoridade e expressão deste self por “pulverização”/ “ataque sádico”. Este ataque, agora, está ampliado ao/amplificado como Ataque Interno de um Portador do Raio que é O Olho Vígil que Nunca Descansa. Qualquer semelhança com a condição de Daniel Paul Schreber não é mera coincidência. A chave para entender a esquizofrenia paranóide é sempre narcísica, e nunca edipiana. O ver e o desamarrar os nós se dão, exclusivamente, nesta clave arcaico-prioritária dos dilemas identitários, pré-triangulares [portanto, pré-edipianos].

Pensemos nessa nostalgia pelo amálgama mãe-filho [nostalgia= saudade pelo que “poderia ter sido”, e não pelo que foi...; frise-se!]. A fórmula da saudade do paraíso perdido ou do “vínculo simbiótico” [o “nirvana do útero”] é tosca demais para representar aquilo a que estamos nos referindo aqui. A criança em questão teve gestação difícil, parto com fórceps, após 14 horas de sofrimento fetal, pela espera da obstetra que já agendara previamente o horário para uma cesariana [por saber não haver dilatação pélvica suficiente]. Porém, a hora do parto não obedece a pré-agendamentos. Assim sendo, não havendo tempo hábil para o procedimento agendado, quando surgiu outro médico, foi feito o parto emergencial com fórceps, indo a criança diretamente para a incubadora receber cuidados respiratórios. No caso específico, o locus do acalentado Nirvana Freudiano tem de ser visto bem atrás dessas 14 horas. E não se pode subestimar os insights de Otto Rank neste tipo de parto. A ingênua candura [um tanto sarcástica] de Jung [e também de Ferenczi!] dizendo que "traumático é não-nascer", desdenhando de Rank, também minimiza o problema em situações concretas e específicas. Eis o problema dos desdéns generalizadores. Não quiseram avaliar a validade possível dos insights de Rank em casos específicos. Se ele generalizou na formulação, cometeram o erro exato-reverso de generalizar na crítica ao que de verdadeiro poderia existir naqueles insights.

Frisemos ainda, neste e em ouros inúmeros exemplos: não houve vínculo profundo mãe-filho, mas vínculo narcísico-bilateral [com cisões e idealizações cruzadas, o que patrocina imagos fantasmáticas], e não verdadeira reflexão da criança-bebê [Cifra: Thomas Merton e sua mãe; Jung e sua mãe, desdobrada em duas..., como lemos em sua biografia; cada uma das quais se relacionando com a personalidade 1 ou 2 do próprio Jung; ou seja, com a persona familiar, ou com o Self Secreto].

A mãe empatizou com algo do que viu, com parte do que viu, e se esquivou do resto, ou entre-viu algo e não o refletiu suficientemente ao bebê-criança. A fórmula “nostalgia do self e da mãe idealizada” [amalgamados], saudade daquilo que “quase foi e poderia ter sido”, revela a situação toda [bastante mítica, como vemos] em matizes mais definidos e precisos do que a imagem do “Paraíso Perdido”. Houve carência de verdadeiro encontro e intimidade, de mútua reflexão verdadeira. Isso pode ter sido algo que “quase tiveram, mas nunca objetivaram”.

Nas circunstâncias acima apresentadas, o sujeito se mantém fixado à presença longínqua e diáfana da mãe quase-vista, quase-real. A mãe que o self infantil “quase viu” [e por quem “quase foi visto”]. Mas que o evitou por um leve desvio do olhar, ou por um “calculado desvio do olhar” ["não comprar briga com o marido", por exemplo]. Nessa ambiência, há nostalgia, desilusão, cobrança, tristeza, dor, saudade e ressentimento, numa atmosfera triste e escura de quase-presença. Até o sujeito se “des-imantar disso”. Até o sujeito se liberar dessa zona de atração mítico-gravitacional, que serve como “blindagem e cápsula” ao self infantil". Aqui “também” se trata de Édipo, mas “também” de mais-que-Édipo. [Além-aquém-Édipo].

Quando se vê o “buraco” ou o “vazio” de certos pacientes narcísicos, frequentemente se pergunta: “Do que fogem esses pacientes? Do que eles têm fugido ou fugiram?" Podem fugir/ter fugido da atmosfera de perda, ressentimento e dor pelo desvio do olhar da mãe imaterial. Podem ter fugido do pai confiscador-pulverizador, de sua autoridade onitroante. Podem fugir [ou se encolher] de um Olho Interno Punitivo, Onivigilante [cifra: Schreber]. Podem se defender da dor de um Vazio, de todo um viver nostálgico-fantasmático, como que “tingido por uma esperança póstuma de um dia poderem, quiçá, vir à Luz”. Podem estar de luto pelo próprio não-nascimento, enquanto "emergência de si mesmos de fato".

Aqui não se trata do sentimento de ser amado-odiado, desejado-torturado, como a equação de integrar o objeto bom e o objeto mau no objeto inteiro/ “objeto total”. “Também” se trata disso [a velha e boa equação kleiniana], mas há nuances. Trata-se de “quase ser visto”, de “não poder ser visto e existir, por um triz”, perdendo-se o “liame de vitalidade e comunicação com o mundo”, perdendo-se o liame da concretude do mundo, da “consistência do existir e do eu-existente”. Tais déficits é que resultam em vivências clássicas de despersonalização-pânico, como aquela de “perceber uma fina membrana recobrindo o mundo”, de sentir como que uma “vidraça [opaca] isolando o eu de seu contato com o mundo”, esse “eu-imaterial [encapsulado] como expectador, vendo a vida como que por através de um tubo ou uma tela”. Vendo o mundo como que pela televisão, dizia "Laura", uma paciente minha.

Quantas pessoas que lidam com feridos narcísicos não se deparam com este gênero de descrição?! Muitas. A questão é saber contextualizá-las.

Perde-se o eu, a consistência do eu e o bem-estar do eu, juntamente com o objeto-ambiente. Aqui, pensamos em duas alternativas: ou este bem-estar foi quase-obtido e escapou por entre-dedos/entre-olhos, ou foi obtido e perdido por uma ruptura precoce. Ambas as situações são clinicamente frequentes, em se tratando de personalidades narcísicas. Algo ou alguém interviu [o Algo pode ser a Morte], e o espaço-de-reflexão, convivência-espelho e consistência do eu foram perdidos. Em seu lugar, ficou um eu encapsulado, nostálgico, frágil-evanescente aos olhos externos [na verdade, encolhido]. “O self se vai com o objeto-mãe-ideal.” A "Mãe Morta" da André Green tem essa coloração. O "negativo do narcisismo" ou "Narcisismo de Morte" tem esse matiz.

Em palavras cuidadosamente escolhidas: o self foi confiscado pelo objeto ideal, pela mãe que foi retirada ou quase-esteve ali. Essa mãe esquiva, fugidia ou imaterial arrastará e reterá o eu dentro de si, como uma “sombra-cápsula do senso de ser-um-eu.” Assim, este “eu” também será fantasmático, pois precisará do espelho-sombra para reconhecer-se, um espelho que é quase e que é ontem. Releia-se com cuidado: um espelho que é quase e que é ontem. Esse eu sonha com a chance de olhar-se e se tornar consistente. Essa mãe-espelho fantasmática o reterá como uma atmosfera [uma Ambiência Numinosa e Confiscadora; cifra: Lâmia], uma nostalgia dentro e em torno de si que é, ao mesmo tempo, nostalgia de si próprio e do objeto. Uma ponta de evanescência no mirar-se. 

Reitero [como Eco ou Espelho-em-Falta]: Uma ponta de evanescência no mirar-se.

E é tudo que se tem.











Marcelo Novaes





Bibliografia sugerida:


Bly, Robert. (1991). João de Ferro – Um Livro sobre Homens. Rio de Janeiro. Campus.

Green, André. (1988). Narcisismo de Vida, Narcisismo de Morte. São Paulo: Escuta.

Grotstein, James.(2003). Quem é o Sonhador que Sonha o Sonho? Um Estudo de Presenças Psíquicas. Rio de Janeiro. Imago.

Jung, Carl Gustav. (2006) Memórias, Sonhos, Reflexões. Rio de Janeiro. Nova Fronteira.

Schreber, D. P. (2006). Memórias de um doente dos nervos. Tradução e introdução de Marilene Carone. 3ª ed. São Paulo: Paz e Terra.

O Portador do Fio









Espirais. Pense em espirais. A evolução dos tópicos neste ensaio será “espiralada”, indo e retomando assuntos, sempre numa oitava superior de complexidade. É a única forma de fazê-lo: não-linear.

Falando em “quase-presença” eu terminei meu último capítulo assim:

Em palavras cuidadosamente escolhidas: o self foi confiscado pelo objeto ideal, pela mãe que foi retirada ou quase-esteve ali. Essa mãe esquiva, fugidia ou imaterial arrastará e reterá o eu dentro de si, como uma “sombra-cápsula do senso de ser-um-eu.” Assim, este “eu” também será fantasmático, pois precisará do espelho-sombra para reconhecer-se, um espelho que é quase e que é ontem. Esse eu sonha com a chance de olhar-se e se tornar consistente. Essa mãe-espelho fantasmática o reterá como uma atmosfera [uma Ambiência Numinosa e Confiscadora; cifra: Lâmia], uma nostalgia dentro e em torno de si que é, ao mesmo tempo, nostalgia de si próprio e do objeto. “Uma ponta de evanescência no mirar-se”.

Em palavras cuidadosamente escolhidas, foi o que eu disse.

Pensemos num sujeito que vê um dos pais sofrer um colapso, quando está na primeira infância: um pai que chora e desaba dizendo não saber como agir diante de uma briga de irmãos, um pai que teme que o filho mais velho morra se ele dormir sobre o lado esquerdo [!], a mãe que fica sem falar e sem comer depois da morte de um ente querido. Todas essas situações também fazem o sujeito “perder o objeto” [perder o vínculo com o objeto-cuidador, com o objeto parental], e se refugiar [ou ficar confiscado] num objeto interno sombrio e fantasmático. Como perceberemos, este confisco melhor será definido como sendo a uma “ambiência interna”, e a uma série de objetos fantasmáticos, além de porções cindidas do “eu”.

Vejamos as cenas: o menino de seis anos vê seu pai desabar nos ombros da mãe, diante de uma demanda por decidir uma briga entre irmãos, dizendo: “Eu não consigo saber o que é certo; eu não consigo tomar uma decisão”. Vejamos outra cena, com um breve histórico: a menina é adotiva. Quem a adotou tem idade para ser sua avó. Sua mãe biológica já teve seis filhos, muitos dos quais deu ou abandonou. Um de seus irmãos mais velhos é mendigo de rua. A menina tem sentimentos variados e ambíguos em relação a tudo isso. Tem raiva da mãe. Pena e nojo do irmão. A mãe-avó adotiva [que já adotara mais de trinta crianças!] tem crises de asma que a põem de cama, tendo de tomar oxigênio e ser assistida por enfermeiros. A criança [cinco anos] se sente, ao mesmo tempo, isolada, “nostálgica” e impotente. Como socorrer a mãe-avó? O que fazer em relação ao irmão que vê sujo pelas ruas?

Bom, esses sentimentos são confusos, e só encontrarão “um nome mais claro” na adolescência. Até lá, serão presenças difusas ao fundo do senso de ser-estar dessa criança em meio a toda conjuntura apresentada. Na adolescência, ele poderá dizer algo como “minha mãe é uma puta irresponsável, uma parideira sem juízo, faz um filho com cada macho” [frases que ela, de fato, disse, mais ou menos assim...] e “meu irmão é um bunda-mole vagabundo, e eu tenho vergonha dele”. Qualquer laivo de piedade fica engolfado pela raiva, nessa “tomada de consciência tardia” que, na verdade, não é uma “tomada de consciência”, mas uma “nomeação daquilo que difusamente ela já tinha consciência”.

Mesmo adolescente, e mesmo longe da mãe biológica [não tão longe, porque ela sempre pode saber dela que, inclusive, continuou a engravidar...], a adolescente permanece “imantada” a este “círculo encantatório de presenças internas”. Em muitos quadros de depressão e raiva [a depressão ansiosa é algo muito comum, e mesmo na “depressão apática” encontramos, frequentemente, “raiva ao fundo”] encontramos a pessoa difusamente ligada a este círculo/circuito imantatório [“encantatório”] que inclui dois fatores claros:

1) Uma sensação de “cerco” por algo sombrio e difuso [muitas vezes “fantasmagórico”]. Vou aqui chamar, com razões de sobra para a escolha, a este sombrio difuso de Numinoso Sombrio.

2) Além do cerco por tais presenças, subjaz ao “eu” [ao self] uma espera ou esperança pelo “vínculo ideal” [a mãe rejeitadora que não deveria ser assim, ou a avó doente que deveria cuidar dela; sem falar no irmão que ela preferia não ver como espelho amplificado de seu próprio abandono].

Enfim, o sujeito [no caso, a adolescente] fica fixado(a) numa solidão muito peculiar [veremos que se trata de uma “solidão ontológica”] e numa ambiência interna nostálgico-tantálica. Sim, a nostalgia [“saudade do que poderia ter sido”] o imanta “para trás e para o fundo”. A nostalgia é uma fator regressivo, que o deixa [ou a deixa] preso(a) a uma infância fantasmática.

Poder-se-ia cogitar que a adolescente deveria considerar todos os fatores em jogo com benevolência e altruísmo: as más escolhas da mãe quanto a parceiros e progênie, a semi-suficiência da mãe-avó, o destino aparentemente inescapável de seu irmão morador de rua. Mas, lamentavelmente, as coisas não se dão assim, até porque essas presenças já fazem parte do “plano de fundo” da criança numa situação [e num tempo] onde sua necessidade de cuidados era imperativa, e suas catalogações e julgamentos morais eram incipientes [“isso me faz bem, isso me faz mal”]. Primitivamente [e originariamente] é assim que as pessoas reagem na primeira infância [e muitos até o fim da vida].

Senão vejamos: o estado de estar perdida, esperançosa [=à espera, mesmo que desesperançada...] de um rumo e imantada a uma ambiência Sombrio-Numinosa já se dá no primeiro sonho apresentado por esta adolescente, em análise. Ela precisa comprar bolacha [=nutrição]. Não sabe onde fica o supermercado, ou qualquer lugar que “venda alimento”. Há um homem cego, velho e roto, sentado numa pedra [um mendigo amplificado a dimensões ancestrais e míticas]. Ele gira o seu dedo indicador de uma das mãos para todas as direções, como uma bússola quebrada. E “não fala coisa com coisa”. Murmura uma litania de si para si. Diante de qualquer interrogação da adolescente, a resposta é essa: sombria e mítica [“o velho andrajoso e cego apresentando uma litania e o símile de uma bússola quebrada”]. Ninguém precisa de ilustração mais mítica [ou “sombrio-numinosa”] para umas das presenças de fundo da adolescente. Isso já é um bom retrato de suas procuras, de sua imantação a um mundo de presenças internas e de sua desorientação básica.

Ao longo da análise, podemos ver a evolução dessa desorientação para uma figura jovem feminina [um “duplo” da própria paciente], segurando uma varinha [como esses ramos bifurcados de galhos, usados em radiestesia], dentro de um rio, orientando-se com energia [com água até a cintura]. A essas figuras condutoras [chamadas “psicopompos” nas mitologias clássicas, e muito estudadas por Jung], eu gosto de chamar de “portadores do fio”. Sim, poderíamos pensar, no caso, numa “Melusina portando a bússola” [não mais quebrada, como no primeiro sonho], mas não nos é difícil reconhecer em tal figura um avatar de Ariadne [a que oferece o fio dentro do labirinto]. O fato de estar “semi-imersa no inconsciente” está representado pelo fato da figura onírica estar num rio, e com água até o meio do corpo. O tema da orientação/desorientação é retomado [o tema da “bússola”, que pode ser sintetizado no tema do “fio” “confiança”, “fiar-se em”/ “confiar”, “poder seguir em frente tendo um rumo”]. Qual era a primeira procura [a procura fundamental e originária] da adolescente no primeiro sonho [o sonho inaugural da análise]? Era por nutrição [o lugar onde comprar “bolacha”/ “comida de criança”]. O que a melusina/“portadora-do-fio” pode estar tentando achar com tal recurso mágico-natural [um recurso “tão magnético” quanto a idéia de bússola...]? As respostas da adolescente são: 1) Um lugar que tenha cardumes [= nutrição, também]. E à pergunta: “Ela sabe sair do rio”? A adolescente não reluta em afirmar: 2) “Claro. Ela sabe o caminho, porque criou-se ali”. Ora, ela criou-se ali, nas imediações ou “dentro do rio” [ela nunca saiu da água, como uma melusina mesmo...]. Podemos ver que este “duplo”, mesmo com senso de orientação, conhece o que é estar “com água até a cintura”. Uma “Ariadne fluvial”, por certo...

No primeiro sonho encontramos um absoluto senso de desorientação: a figura cega sobre a pedra, ancestral e quase inumana [mesmo amalgamando em si os andrajos e a condição de sem-lar do irmão – “quase inumano”] nada tem a oferecer ou dizer de útil [sua litania é incompreensível, seus olhos não veem, e sua “bússola está quebrada”]. No outro sonho aqui narrado, há um senso intuitivo de orientação.

Depois da “quase-presença” assinalada no capítulo anterior, encerro este capítulo apresentando-lhes “o portador-do-fio”/ “a portadora-do-fio”.








Marcelo Novaes

Ser um Outro para Si Mesmo: Caos e Esfinge









Emannuel Bresson escreveu uma “biografia poética da loucura”. Narrou, poeticamente, sua esquizofrenia. “O Menino que Perdeu sua Morte” é sua autobiografia. Fala de cisões, de companheiros internos desde a infância, de observar-se a si mesmo como um sujeito-objeto interno [M.], acompanhado de seu fantasma e de sua morte. De ser sujeito-dejeto e de ser sujeito morto, desde criança. Como este é um livro que já está escrito, não faz sentido algum parafraseá-lo, mas só me apropriar, de memória, de um dos seus trilhos para apresentar meu tema do auto-estranhamento [“ser um outro para si mesmo”].

Os fatos externos da primeira infância são singelos; suas repercussões íntimas e as reminiscências delas decorrentes, não têm nada de trivial.

A descrição do pai de Emannuel seria a de um casaco. Alguém sem corpo vital, sem afetividade, sem verdade. Alguém apoiado em ideias sobre ser, não sobre seu ser legítimo. Uma persona ambulante. Um falso self. Um casaco do qual as idéias apinhavam como enxames de enxames. Eis um pai insubstancial e irreal. Sua mãe estava afetivamente apartada de Emannuel pela influência crítica de uma tal de tia Bertha, figura bastante dominante na família. Coloquemos na tia Bertha um jaleco militar, que estará de bom tamanho, figurativamente falando.

Há uma casa onde passar as férias, dos avós. Uma casa cujo cheiro de mofo é um consolo. Há um jardim nesta casa, e estar ali é um consolo. O menino, no jardim, imagina-se sem pai, sem mãe, e sem limite espacial sobre a cabeça: emoldurado por vazio, solidão, e Infinito. Em vez de arrumar pais imaginários, o conforto do menino é saber-se/pensar-se órfão, e com o Infinito acima de si. Nada de “pais imaginais substitutivos”. [Sempre direi “imaginais” em vez de “imaginários”, por cuidadosa escolha semântica].

Este jardim é o “lar” do menino solitário, ou ensimesmado. Isso, até ele ser um estranho para si mesmo.

Há o jardim, o casaco-invólucro do pai, a voz de Tia Bertha, a distância do corpo afetivo materno, o assassinato interno de ambos, e o vasto céu por testemunha. Há uma senhorita que cuida da educação do menino, uma preceptora. E há um sonho inaugural do Caos, da fragmentação, da esquizofrenia. Este sonho se dá aos seis anos, e irá se repetir. Logo virá o diagnóstico, emitido pelos “bois”, que é como Emannuel carinhosamente apelida os psiquiatras, pela sua falta de visão e subserviência a uma certa nosografia burocrática. Continuará chamando-os “bois” mesmo quando adulto. Talvez por sua compreensão ser mais nuançada e imagética do que a deles. Sua leitura de si mesmo, obtida a custo, ao longo dos anos.

Vamos ao sonho, emblemático. Há uma Música que nunca se ouvira, majestosa, permeando o Jardim. A música é grandiloquente e parece emoldurar, com perfeição, a Vida ali representada, com tudo que Ela comportaria. A Música Perfeita Inimaginada. O cenário é sonoro, além de plástico. Uma nota sai do lugar. Uma única nota, destacada. Toda a música se rearranja a partir dessa desconstrução, até representar a Cacofonia ou Caos mais Absoluto, de Aterrador e Insuportável. O cenário sonoro se inverte. Isso se faz acompanhar de uma inversão no cenário plástico, concomitante e correspondente: as plantas e flores passam a crescer em direção ao “dentro da Terra”. Cacofonia Absoluta e Vida Introvertida ao Útero Telúrico Primal. A percepção do conjunto é aterradora, faz o menino suar e “se ver sonhando” [enquanto sonha, sem sair do sonho], vendo-se na cama, com os lençóis sujos por baldes de imundície. O sujeito dejeto é recoberto por fezes ou esgoto. Isso se repete, com nuances. Numa das vezes, o menino se vê correndo em meio a essa paisagem invertida e cacofônica, sobre quatro patas, como um animal. Corre e corre para fugir da música e da Vida que se inverte. Sonha-se como um tigre, e acorda montando sobre a preceptora que dorme na cama ao lado, tendo ela cerca de setenta quilos. Ele é um “tigre apavorado e raivoso”, quando acorda. Luta por sua sobrevivência. Que ninguém seja tão apressado ao imaginar a cena primária freudiana [o coito dos pais] em episódio tão rico e nuançado. A partir daí, o diagnóstico se corroborará ao longo dos anos, ao longo do futuro-sem-futuro. Tempo e espaço na esquizofrenia são como sonhar acordado, já o percebia Joseph Berke, um dos psiquiatras a trabalhar com Ronald Laing, o célebre autor de “o self dividido”. Não por acaso, o propositor e porta-voz da linha de "entendimento da linguagem na loucura” [que repercutia os “nós cegos” da linguagem do grupo social-familiar] consagrada como “antipsiquiatria”. Se tempo e espaço na esquizofrenia são semelhantes a um “sonhar acordado”, são inteligíveis para um bom intérprete de sonhos.

Ronald Laing era um sujeito vital e perspicaz, extremamente hábil no manejo e no entendimento dessa linguagem truncada. Esquizóides [personalidades cindidas que não necessariamente atravessaram um surto psicótico] reconheceram muito da loucura pessoal-ambiental expressa nos diálogos-monólogos de seus livros, a partir de O Self Dividido. Profissionais que procuravam uma leitura mais percuciente do que aquela oferecida pela psiquiatria de então [seu livro-manifesto foi completado em Tavistock em 1957 e publicado em 1960] também identificaram ali um rico filão hermenêutico. Se pegarmos a descrição da “travessia da loucura” feita a quatro mãos por Mary Barnes [a esquizofrênica] e Joseph Berke [um de seus psiquiatras] sobre o surto e recuperação da primeira, veremos a operacionalização dos insights da rica leitura de Laing & Cia, em Kingsley Hall. Morton Schatzman, por mim citado no capítulo anterior deste ensaio, também passou por lá, além de Noel Cobb, psicólogo de formação junguiano-hillmaniana [Carl Jung/ James Hillman]. O livro de Mary Barnes, “Viagem Através da Loucura” é um texto bastante acessível e descritivamente rico do que significa “a carreira” de um esquizofrênico. Uso o termo segundo o sutil entendimento que o próprio Joseph Berke tem da vivência de Mary. A esquizofrenia seria uma “carreira” que envolveria dois sujeitos: um paciente e um psiquiatra [ não há designação sem um designador], carreira esta que se inicia “com o encorajamento do grupo familiar mais próximo do indivíduo”. Essa seria uma leitura inter-relacional da linguagem, símbolos e sintomas esquizofrênicos, como expressões de vieses, “nós cegos comunicacionais” [Double binds, na feliz expressão de Gregory Bateson, costumeiramente traduzido como “duplo vínculo”, no sentido da ambivalência/ ambiguidade do mesmo, do tipo: "vá/ não vá"; ao double bind preferi chamar "nó cego comunicacional"] e cisões grupais na educação deste sujeito fraturado.

Quem quer que tenha dificuldade para conceber imaginalmente o que seja uma atmosfera sombrio-numinosa [onde presenças sobre-humanas/ inumanas parecem emoldurar um ambiente intrinsecamente sombrio] já tem neste sonho de Emannuel Bresson uma de suas expressões mais singelas e eloquentes. 

Aliás, frise-se que neste sonho temos a inumanização/desumanização do próprio sonhador que se percebe como quadrúpede-fera enquanto sonha. Uma metamorfose animal. Uma variante do tema da licantropia, que revela a presença de fundo de um tipo estranho de objeto interno [ou arquétipo] que eu considero apropriado chamar de objeto-amálgama, justamente por sua característica de fundir duas naturezas, ou de apresentar uma transição de uma natureza à outra. Numa leitura mais “narciseana” do que edipiana do Mito de Édipo, a pergunta da Esfinge representaria, justamente, o desafio interno representado pelo objeto-amálgama. Se alguns quiserem ver nesse sutil objeto meramente “o casal primal confluído” [a cena primária, o coito dos pais], eu diria que esta é, tão somente, uma das claves de leitura. Quando a Esfinge pergunta sobre aquele que anda sobre quatro, dois ou três pés [cifra: apoios, “patas”], com sua aparência híbrida [teriomórfica: humano-animal], nada mais está fazendo do que propondo um desafio análogo àquele ao qual “sucumbiu” o pequeno e cindido Emannuel, no sonho citado [e para além-aquém sonho]. As aspas se devem ao fato dele ter, depois, se reerguido [ficou sobre as duas pernas, mais adiante...].











Marcelo Novaes







Bibliografia sugerida:



Barnes, Mary &; Berke, Joseph. (1982). Viagem através da loucura. Rio de Janeiro: Francisco Alves.

Bateson, Gregory. (1986). Mente e Natureza. Rio de janeiro: Francisco Alves.
Bateson, Gregory. (1996). Metadiálogos. Lisboa: Gradiva.

Bresson, Emannuel. (1993). O Menino que Perdeu sua Morte. São Paulo: Martins Fontes.

Laing, Ronald D. (1978). A política da experiência: a ave do paraíso. Trad. Áurea B. Weissenberg. Petrópolis: Vozes. 2ª edição.

Laing, Ronald D. (1982). Fatos da vida . Rio de Janeiro: Nova Fronteira.

Laing, Ronald D. (1977). Laços.Trad. Mário Pontes. Petrópolis: Vozes. 2ª edição.

Laing, Ronald D. (1991). O eu dividido: estudo existencial da sanidade e da loucura (The divided self). Traduçäo de Aurea Brito Weissenberg. Petrópolis: Vozes. 6ª ediçäo

Laing, Ronald D.(1989). O eu e os outros: o relacionamento interpessoal (Self and others). Trad. Aurea Brito Weissenberg. Petrópolis: Vozes. 7ª ediçäo

Laing, Ronald D.(1972). Percepção interpessoal (Interpersonal perception). Rio de Janeiro: Ed. Eldorado.

Laing, Ronald D. Política da Família (A). (1983). São Paulo: Martins Fontes. 2ª edição.

Laing, Ronald D. Politics of experience (The). (1979). New York: Ballantine. 11ª ed.

Laing, Ronald David e Caretti, Vincenzo (1982). Sobre loucos e sãos: entrevista a Vincenzo Caretti . São Paulo: Brasiliense. 2ª edição.

Laing, Ronald David e Cooper, David Graham. (1982). Razão e violência: uma década da filosofia de Sartre; 1950-1960 (Reason & violence: a decade of Sartre's philosophy, 1950-1960). Petropolis: Vozes. 2ª edição.

Laing, Ronald D. & Esterson, Aaron. (1980). Sanity, madness, and the family. Middlesex: Penguin Books.